segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A fragilidade da incoerência

As chuvas desse verão 2011 vieram nos mostrar mais uma vez. A fragilidade com que as estruturas humanas tombam perante os impactos da Natureza vem sendo demonstrada com mais frequência ultimamente.
Não há como negar que entre erros humanos ou fatalidades inevitáveis, a Natureza mostra-se soberana quando se levanta na sua fúria. Estamos diante de acontecimentos globais que pouco a pouco nos apresentam a nova realidade planetária, aquela em que os elementos naturais buscam retomar seus ciclos de equilíbrio, seja na atmosfera, nos corpos hídricos e mesmo no solo.
Tudo se torna incompreensível e ainda não assimilamos, como algo reativo do planeta, tantas manifestações climáticas, vulcânicas e mesmo tectônicas...
Essa fragilidade começa na verdade na nossa incoerência diante daquilo que seria o mais simples e lógico. Exaurimos nossas fontes de vida em troca de um modêlo econômico que nos passa a ilusão que irá, com seus sistemas lineares de produção, que rompem todo movimento cíclico natural, nos suprir em todas nossas necessidades e caprichos. E passamos o tempo nos convencendo que assim será, ou que se assim não for, vai levar muito tempo para o limite chegar.
Vamos aguardar, como na canção, esperar o último índio descer de uma estrela colorida brilhante e surpreender a todos não por dizer algo exótico, mas pelo fato de estar tanto tempo assim oculto...o óbvio. Só que aí talvez seja tarde.
Eu me pergunto que tipo de coerência estamos precisando, se é que existem tipos de coerência.
Penso que precisamos de pequenas coerências, coerências cotidianas, aquelas que quando não obedecemos em alguma atitude momentânea, imediatamente sentimos um leve incômodo, uma passageira certeza interna que nos sussurra que existe um jeito melhor de fazer.
Coisas como não olhar nos olhos de cada um que temos contato, não sorrir mesmo diante de um contratempo, comprar superfluos, comer além do necessário, não ouvir uma criança ou não parar para simplesmente apreciar por alguns segundos a paisagem.
Enquanto nos preocupamos com as macro situações como a política, o lixo e a violência, esquecemos nossos relacionamentos pessoais, o cuidado com nosso corpo e o respeito com os sentimentos alheios.
Não, não se trata aqui de uma reflexão moral, mas da constatação que sem a consciência do microcosmo que nos cabe administrar enquanto indivíduos, dificilmente chegaremos a alterar as condições predatórias da sociedade humana como um todo.
Essa é a incoerência que nos fragiliza.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Rumo ao campo.


Helen G. White, luminar do movimento adventista, no começo do século passado, já previa que os ambientes urbanos seriam cada vez mais contaminantes, verdadeiras incubadoras de violência, doenças e desagregação social.
Em seus ensaios, ela descrevia o contraste dessa realidade das urbes com a vida no campo, onde se encontrava paz, tranquilidade e saúde. Ali ela preconizava o cultivo e consumo de alimentos saudáveis, a contemplação da natureza e o desfrute da luz solar, do vento fresco e da água pura como verdadeiras medicinas e cura para o corpo e para a alma.
Visionária, G. White anunciou e preveniu, bem precocemente, para onde a recente modernidade das cidades se dirigia e conclamou a comunidade adventista a se preparar para os tempos conturbados e confusos que viriam.

Hoje não precisa ser nenhum profeta para ver que as cidades estão se tornando inviáveis. Também já não soa tão pueril recomendar as dádivas naturais para ter uma vida saudável. Vivemos um tempo onde não existe dúvida sobre o que cada uma dessas opções oferece.

Quando nos dirigimos ao campo, uma nova dimensão se abre. A vida campestre nos enche de inspiração e vigor. Podemos apreciar o que nos rodeia, sejam árvores, pássaros ou riachos.
Ali, o trabalho passa a ser uma expressão de vida e não um preço a se pagar.
Existe algo no ar que constantemente nos traz a nostalgia e a novidade, a aventura simples do viver.

Não há tempo a se esperar, não existem condições a serem cumpridas para que possamos rumar ao campo. Trata-se apenas de uma permissão que cada um pode se dar. Não se trata de algo fácil, mas extremamente gratificante. Também não se pode comparar com um fim de semana de lazer. Dirigir-se ao campo significa abrir espaços de tempo, adotar novos hábitos. Ao resgatarmos nossa conexão com a Natureza perdermos a velocidade inerente do ritmo urbano e passamos a respirar com os ciclos originais daonde viemos.

Rumar ao campo pode ser uma oportunidade de encontro com o que temos de melhor em nós. Manter esse rumo, esteja você onde estiver, pode deixar seus pés bem fincados no planeta, seus olhos firmes no céu infinito.
Viver no campo é mais do que estar lá todos os dias. É saber, todos os dias, que o campo está lá...





sexta-feira, 23 de julho de 2010

A ética do viver

Foi um primo meu, na época com 25 anos, que me falou a primeira vez que a cidade não era meu lugar. Não sei baseado no que, já que eu tinha apenas 15 anos. Talvez no fato da cidade não ser o lugar dele também. Pode ser, afinal, quem conhece, reconhece...


O fato é que os anos mostraram que ele estava correto. Quanto mais eu crescia, mais a cidade de São Paulo e aquela ocupação concentrada me parecia um lugar labiríntico, com ruas que terminavam em outras ruas e portas ao lado de portas que levavam a ambientes fechados e...a outras portas. O impacto em mim talvez tenha sido maior pelo fato de ser justamente o tempo (1975 a 1980) que São Paulo explodiu em prédios, grades e trânsito.

Um novo tipo de assaltos e violência começou a ser parte do cotidiano e as multidões tomaram conta das ruas, nos ônibus, filas de banco e supermercados. Claro que existia uma efervescência cultural, uma entrada para a modernidade do primeiro mundo, que era instigante para qualquer jovem, mas isso ficava em segundo plano para mim. Afinal, seguindo o roteiro adolescente existencial, pensava : qual era o sentido de tudo aquilo? Para quê aquela vida amontoada, barulhenta e corrida?


Parece que eu fazia parte de uma geração onde essas questões começaram realmente a entrar na pauta. Se naquela época eu soubesse que ser um adolescente desadaptado e meio insociável no meio urbano não era assim tão estranho, e que era até meio vanguarda, talvez eu tivesse poupado algumas crises...


A reflexão ecológica e a consciência da impossibilidade de sustentar esse modelo de desenvolvimento passou a se tornar cada vez mais coletiva a a partir daqueles anos, fruto do movimento hippie, da primeira Conferência da ONU pelo Meio Ambiente (1972, Estocolmo) e dos fatos que iam se somando como a guerra fria, energia nuclear, poluição das águas, os pesticidas nos alimentos .

Desde então foi-se constatando o buraco de ozônio, o efeito estufa, o derretimento das calotas polares e todas as outras mazelas que estão levando o homem a decretar sua própria extinção...A percepção planetária começava a ficar mais nítida.


Bem, eu prometi aqui no blog não ficar reproduzindo o discurso ecológico. E vou cumprir! As citações acima são para localizar a qual geração e a quais tempos estamos nos referindo e que remetem à macrotransição citada alguns posts atrás. Diferente de qualquer outra época da humanidade, nossa geração detém um poder nunca antes alcançado anteriormente, de causar uma destruição em massa, de dimensão planetária.


O que eu percebo é que a principal causa dessa ameaça não é termos tanto conhecimento e poder, mas sim, não termos a ética necessária para lidar com essas possibilidades. A ética que nos falta é a de assumir que somos uma parte desse sistema e não seus donos, proprietários ou exploradores. Perdemos a noção de que somos filhos da Terra e que nosso destino está totalmente ligado ao destino da Terra. A carta do Chefe Seatle ao presidente dos Estados Unidos, foi sem dúvida, a mais perfeita Constituição já escrita. Ela serve não para um país, mas para toda humanidade.


É justamente essa ética, a ética da Vida, que nos impulsiona de volta ao campo. Estamos como orfãos, sem referências ou bússola na nossa caminhada. Parece que o consumo substituiu o norte natural e se tornou um moto contínuo, daonde extraímos nossa identidade e valores. As mídias são as novas religiões e passamos a acreditar em tudo que eles dizem para nós. A esse tipo de interesse das grandes coorporações não convém que resgatemos valores originais ou referências naturais. A lógica do mega-lucro não é compatível com a lógica da natureza. Enquanto os processos naturais são ciclícos e renováveis, a lógica da produção industrial de grande escala, seja agropecuária, tecnológica, automobilística, etc, é linear e não renovável, extraindo o que pode até o fim da capacidade dos recursos naturais e humanos e jogando os resíduos disso em qualquer parte.

Aonde vamos chegar?

O que podemos fazer para deter esse avanço cujo resultado já podemos prever?


Somos uma partícula perante este estado de coisas, é verdade. Entendo que o que nos resta é sermos coerentes, nos determos um pouco enquanto a multidão avança e conseguirmos olhar em volta e realmente ver a natureza, as pessoas, o céu acima de nós. Precisamos de uma pausa antes de continuar. Resgatar o que somos enquanto seres naturais é a verdadeira ética a ser restaurada. É essa ética que pode sanar a causa de tanta inabilidade humana para gerir a Vida na Terra.

Isso é com cada um e não depende de políticas, dinheiro ou tempo. É uma atitude. Novamente estamos diante das nossas escolhas pessoais.

domingo, 18 de julho de 2010

O sonho da vida no campo

Desde que passei a morar no campo tenho encontrado e recebido a visita de muitas pessoas que sonham em fazer o mesmo. Viver no campo envolve uma mítica, um arquétipo, algo de um retorno ao paraíso perdido...Existem aí expectativas, projeções, sonhos e mesmo uma atitude de fuga. Também se tornou um objetivo de grupos espiritualistas ou de pessoas que se preparam para um anunciado fim do mundo. As pioneiras comunidades alternativas buscavam também se estabelecer no campo e hoje as contemporâneas ecovilas propõe o mesmo. Sem falar da população urbana que adquire sua segunda residência para férias e fim de semanas e assim, de certa forma, realiza esse impulso de viver no campo.

Zé Rodrix expressou bem esse desejo universal, quando cantou: "Eu quero uma casa no campo..."
Morar no campo, viver na natureza é sem dúvida algo que as pessoas reconhecem como o verdadeiro viver.
Mas para muitos isso se torna apenas um sonho, ou uma promessa longínqua. Algo que seria o ideal, mas distante da realidade.
Claro que viver na cidade é uma escolha também, muitos assumem isso. Mesmo assim, estar próximo a natureza é algo que quase todo mundo quer...
No entanto, o modelo urbano de vida está em franca expansão, com as grandes cidades chegando nos seus limites de capacidade e civilização.
Querer viver no campo, hoje, é mais do um sonho. É uma questão de coerência com as leis que regem a vida humana, de experimentar alternativas de viver e se realizar, de no mínimo, permitir-se ter a chance de, novamente, poder fazer escolhas.

Para que isso aconteça não como um movimento nostálgico, contestatório ou primitivista, mas sim como um passo adiante, pós-industrial, é preciso olhar o meio rural por um novo olhar. Acredito que uma nova cultura está sendo criada a partir desse olhar. Uma cultura que é tocada pelos novos conceitos de sustentabilidade, que age na internet, que se desenvolve em rede...
E aí, segundo minha visão, não se trata mais de estar no campo cotidianamente, nem ter que sair das cidades, mas de criar novas referências de vida, menos encurraladas pelo consumismo e lógica financeira. Referências que remetam aos ciclos a que estamos submetidos e que resgatem
o sentido de sermos parte do planeta e não seus donos. Mesmo quem não vive ainda e até quem nem viverá no campo pode criar essas referências.

Sei que isso é o que o discurso ecológico prega. Mas eu não creio que precisamos de mais discursos. Precicamos sim de uma escolha.
Não movido por ideologias ou postura politicamente corretas. Mas por prazer e seguindo o impulso da aventura diária, do aprendizado, da descoberta.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Escolhendo escolher

Estamos passando o que Laslo chama de Macrotransição. Um momento onde tudo o que está estabelecido na humanidade passa por uma grande mudança.
Bem, sempre tudo está mudando e sempre mudou na civilização (desde os tempos da invenção da escrita até a revolução industrial). Qual seria o diferencial da mudança atual, então?
Eu vejo como sendo a enorme capacidade de influir no planeta que temos na atualidade, alterando desde códigos genéticos e estruturas atômicas e moleculares até paisagens inteiras cobertas de urbanidade e monoculturas gigantescas.
Somando-se a isso a velocidade midiática, tecnológica e populacional, nos vemos atualmente conduzindo nossa raça a um destino insustentável a médio (médio!) prazo.

Pois bem, a boa notícia é que estamos nos tornando rapidamente conscientes desse rumo sem saída. Se Copenhage falhou no nível político de decisão, por outro lado ele trouxe o melhor dos resultados: a consciência coletiva de que estamos todos no mesmo barco e que as soluções não passam pelas decisões governamentais (viva!), ou melhor, que não temos soluções efetivas no momento.
Ok, isso nos remete ao nível das pessoas. Sim, você, eu e todos ao nosso redor. A pergunta aqui é: se não nós, quem?
Fique tranquilo, não vou aqui preparar terreno para mais um discurso de militância ecológica ou de moral cidadã.
O nível pessoal que me interesse de uns tempos para cá é o da satisfação, inspiração e realização. Se não puder achar isso na minha relação com a Natureza, com as pessoas e comigo mesmo, talvez nenhum discurso ou prática políticamente correta vai fazer sentido.
Ninguém vai realmente salvar o mundo ou mudar de atitude se não encontar sentido, pois trata-se primeiro de cada um salvar a si mesmo.

Ok, novamente. Não vou também pregar a jornada interior de encontro consigo e com o Eu Superior, nem recomendar práticas espirituais ou meditativas, embora tenha certeza da grande ajuda que isso traz para nossas vidas.
Quero falar aqui de uma coisa muito mais simples: quero falar das escolhas que podemos fazer. E a primeira a ser feita é (embora pareça jogo de palavras) a escolha em poder fazer escolhas.
Hoje muitas pessoas estão decidindo poder escolher. Eu fui uma delas: Escolhi viver no campo.
O que essa escolha significou para mim e pode significar para muitas outras pessoas é do que trata esse Blog das Montanhas.





quarta-feira, 14 de julho de 2010

As escolhas

Eu li em algum lugar que para a gente ter um Blog era bom falar daquilo que mais te toca e que ao mesmo tempo pudesse interessar a mais pessoas. Descobri recentemente, numa reportagem de TV que fizeram aqui no Matutu, o que talvez fosse esse tema, quando me perguntaram qual a maior diferença para mim entre a minha vida urbana anterior e a atual no campo.
- A possibilidade de fazer escolhas, respondi após pensar um pouco.
Realmente essa resposta me deixou muito confortável, pois consegui falar exatamente o ponto dessa história toda de deixar a cidade e ir morar no campo. O ponto que me toca.